Mafalda e a Questão Tributária

Mafalda e a Questão Tributária

Valdecir Pascoal

       Mafalda e a Mãe estão em frente a uma loja. O dono inicia a prosa:  – Olá, qual é o seu nome?; – Mafalda; – Legal. Você estuda?; – Sim, claro! E o Senhor paga seus impostos? A Mãe, ruborizada, puxa Mafalda, que justifica o contra-ataque: – Ele que começou a falar de obrigações.

Essa famosa tira do cartunista argentino Quino, falecido há poucos dias, criador da contestadora, humanista e descolada garotinha Mafalda, é uma prova de que a questão tributária está sempre presente na sociedade, tanto que Benjamin Franklin cravou: “nada nesta vida é certo, a não ser a morte e os impostos”. Ao tempo em que a questão é certa, ela nunca esteve dissociada de conflitos e revoltas. A história nos lembra do sagrado “A César o que é de César”, das insurreições causadas pela “Derrama” dos “vinténs” e dos “quintos dos infernos”… Já em 1215, na Inglaterra, o Rei João Sem Terra, pressionado, instituiu a obrigação de os tributos serem previamente aprovados por um Conselho, marcando o embrião do aspecto democrático do orçamento público.

Nestes tempos de pandemia e de grave crise fiscal, a questão tributária continua presente. Enquanto milionários americanos e europeus (Millionaires for humanity), sensibilizados com os efeitos sociais da crise, pedem aos seus governos para pagarem mais impostos (acredite), aqui, em Pindorama, a urgente Reforma Tributária cambaleia nos labirintos górdios de interesses federativos, corporativos e econômicos.

É fato que, quando se pensa em ajuste fiscal, o foco natural está na racionalização dos gastos. Mas é preciso chamar a atenção igualmente para o lado esquerdo do orçamento, o das receitas. Nele destaca-se um aspecto pouco debatido: a renúncia a esses aportes. Nada menos que 4,3% do PIB, cerca de 300 bilhões/ano, deixam de ser arrecadados em razão de desonerações tributárias, como as isenções. Também chamadas de Gastos Tributários, pelos potenciais efeitos sociais e econômicos similares aos das políticas públicas, essas renúncias são concedidas, amiúde, sem prazo certo, sem transparência e sem avaliação e controle dos seus custos-benefícios, tornando-se, ao cabo, privilégios injustificados que afetam fortemente o equilíbrio das contas públicas. As reformas fiscais em pauta precisam enfrentar essa questão e os governos devem fazer uma revisão completa (spending review) dos benefícios em vigor.

Volto a Mafalda e a B. Franklin: deixar de pagar impostos, quando deveria, pode significar, entre outras tragédias, falta da educação e morte certa, severina, antes da hora.

 

Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE