América Latina se une em busca da transparência e do bom controle

O presente ensaio se propõe à tarefa de condensar e dar ampla divulgação aos principais aspectos evidenciados no Seminário Internacional de Controle Público, principalmente no que atine aos frutos da boa governança, da gestão por resultados, da profissionalização da administração pública, da relevância das normas de contabilidade e de auditoria para o bom controle, na importância da transparência para a restauração da credibilidade e da confiança perdida, sobretudo nos países da América do Sul. Ao final, destaca a evidenciada necessidade de uma maior interação dos organismos de controle congregados na OLACEFS e vinculados à INTOSAI.

PALAVRAS CHAVE: Governança. Transparência. Acesso à informação. Interação entre os órgãos de controle. Efetividade, economia e eficiência.

O Seminário Internacional de Controle Público, realizado nos dias 21 e 22 de abril, sob os auspícios do Tribunal de Contas de Santa Fé, República Argentina, contou com um programa de atividades plural, em face dos seus participantes. Estiveram presentes o governador da Província de Santa Fé, o Presidente do Tribunal de Contas local, Dr. Gerardo Gasparrini, autoridades da OLACEFS e diversos outros técnicos conferencistas.

Nos debates levados a efeito, ressaltou-se que é condição essencial para que o sistema de controle na América Latina tenha efetividade, que haja integração entre os organismos de controle. Nesse prisma, é forçoso entender que o objeto de análise do controle externo não é local, pois, em outros termos, a matriz do problema é global e se concretiza nos alarmantes índices de desconfiança que as populações têm em relação aos seus governos.

A corrupção, consoante se asseverou, é fator nuclear da referida desconfiança nas gestões. É fato inequívoco – e até mesmo óbvio – que onde se percebe corrupção não há confiança. Com destaque, na América Latina observam-se alarmantes índices de descrédito nas ações governamentais.

Nesse ambiente turvo, a transparência exsurge como grande meio de restauração do prestígio nas ações de governo. Relevante pontuar, no mesmo sentido, que transparência, seja ela ativa ou passiva, tem íntima relação com acesso à informação. Outrossim, ela passa, indubitavelmente, pela qualificação dos órgãos de controle e pela clareza dos dados que são veiculados por esses mesmos órgãos de controle.

Tornando concreto o argumento posto, salta aos olhos o tema “Financiamento das Campanhas Eleitorais”. A percepção geral do homem médio é a de que tais subvenções têm como razão maior os contratos que serão celebrados após o pleito eleitoral, com flagrante violação de princípios éticos e morais. Relevante assinalar, na mesma trilha, que a percepção do senso geral não é desprovida de fundamento. No entanto, tal vislumbre não é nada se comparado ao que ocorre na realidade..

Diante de tal cenário, torna-se imperioso registrar que a solução para este infortúnio é o controle independente, autônomo e efetivo. No entanto, qual será a autonomia do controle desprovido de recursos para o desenvolvimento do múnus público? É certo que nulo.

A boa governança é o arquétipo desejado, mas exige, para que se efetive, transparência, redução de custos, aumento de eficiência, participação cidadã e fortalecimento da probidade. Aliado a tudo isto, deve-se ter um controle interno efetivo e dotado de capacidade técnica.

O conjunto de todos esses momentos de força conferirão, no vetor direcional, confiabilidade nas informações que servirão como base sólida para a tomada de decisões. Nesse sentido, restará evidenciada uma importante ferramenta: a divulgação de dados via portal web. No Chile, como dito no seminário, é possível, por meio de um portal, acessar até mesmo o contrato que rege a relação jurídica entre o particular, vencedor do certame público, e o ente governamental.

Na sequência dos argumentos, surge um personagem que protagoniza o exame do trato com os recursos públicos. Estamos falando dos Tribunais de Contas. Há quem aponte impropriedade técnica na denominação. Os que assim aduzem realçam que tais Cortes, em verdade, não são tribunais, isto em face da inexistência do caráter vinculante de suas decisões. Em outras palavras, não há compulsoriedade nos decretos como há nas decisões provenientes do Judiciário. Complementam a crítica afirmando que estas Cortes não tratam somente de contas, visto que examinam os atos de admissão de pessoal, aposentadorias e de outros atos administrativos.

Inobstante a censura propedêutica – e já deixando os aspectos terminológicos a latere – surgem, como extremamente relevantes, as chamadas auditorias de desempenho ou operacionais. Tais auditorias – se levadas a cabo e a termo por estas Cortes – seriam muito relevantes por ocasião do parecer prévio nas contas consolidadas. Tal conclusão é extraída em razão dos dados produzidos, que traduzem com clareza o atingimento da eficiência, economicidade e eficácia.

Sobreleva-se que tais Cortes, com assento constitucional, possuem amplas garantias conferidas pela própria pela Lei Maior, a fim de que não sejam mitigadas, em suas prerrogativas, pelo legislador derivado. Nesse passo, é isofismável que podem contribuir por meio das auditorias mencionadas para que a sociedade não vislumbre apenas a sanção, derivada do desvio e da violação da norma, mas possa contemplar medidas de controle preventivas, visto que o controle posterior, no Judiciário, nem sempre tem efetividade dado o longo decurso de tempo até o pronunciamento definitivo.

Relevante pontuar que a mencionada espécie de auditoria revela-se em um moderno sistema de controle que se inclina para a orientação em detrimento do vetusto modelo sancionatório. Tal modelo propicia, além da indicação do apontamento, a recomendação da melhor prática no trato da gestão da máquina pública. Em arremate, pode-se afirmar que o controle formal não se apresenta desprovido de valor, mas o controle por desempenho se mostra mais exitoso.

De igual modo, o Executivo, principal agente concretizador das políticas públicas, deve ser o primeiro a fomentar o controle. Em outros termos, a fiscalização representa segurança para quem se conduz retamente e, nesse passo, nunca invadirá competências. Sem olvidar de que um controle efetivo impõe melhor fundamentação dos atos de gestão, o que promove a transparência.

Nessa senda, cumpre antecipar que o controle jamais atentará contra a discricionariedade. Esta deve ser entendida como um feixe de alternativas igualmente válidas, das quais poderá se servir o gestor para o atingimento do interesse público. Nesse sentido, o controle não interfere na decisão sobre a melhor forma de executar a política pública, tendo em vista que compete ao administrador público o juízo de conveniência e oportunidade. Conquanto o entendimento acima expendido, não se pode desconsiderar que o controle da discricionariedade, inserto no espectro da juridicidade, é regra técnica de universal consenso, contra a qual não pode haver insurgência.

Noutro vértice, é assente o entendimento de que o controle restrito ao aspecto da legalidade é insuficiente. Diversamente, deve-se buscar a integralização do primeiro aspecto com a efetividade, ou seja, aptidão para gerar efeitos concretizados no atingimento das políticas públicas aspiradas pelo interesse público.

De regresso ao tema da transparência, plasmado no acesso à informação, é cediço que esse deve ser atingido em sua plenitude, ou seja, a transparência deve ser alcançada em suas vertentes ativa e passiva. Não se pode olvidar, na valoração desse instrumento, de que se trata de um direito do cidadão e que, além disso, trará como fruto o tão almejado fortalecimento institucional como inafastável consectário da confiança.

A transparência traz ainda, como subproduto, a projeção de uma gestão por resultados orientada pelo plan1ejamento estratégico, com formulação de propostas que levem em conta as vertentes setoriais e intersetorial de administração de recursos, que desemboca no estuário da avaliação do desempenho.

Relevante aclarar que a auditoria por resultado passa, como dito, pelo planejamento. Nessa fase, o auditado é avaliado conforme suas particularidades. No ato seguinte, será traçado um plano de auditoria específica e conectada com as peculiaridades do auditado. Só então ter-se-á a matriz de auditoria, a qual definirá o eixo que delimitará como será produzido o relatório final, cujos resultados serão comunicados e poderão servir como norte de correção de rumos. Desnecessário dizer que total transparência deverá ser dada a esse relatório auditorial.

Em termos gerais, quando se trata de boa governança, devemos levar em conta parâmetros comuns em matéria de transparência e probidade. Tais parâmetros devem ser sistematizados em princípios, como dito, orientadores do dever de prestar contas. Obrigação essa denominada pelos anglo-saxões de accountability.

Sendo assim, é inquestionável a importância da integralidade do sistema de prestação de contas, ou seja, não se pode omitir ou obstaculizar o controle, o acesso a qualquer informação. Cumpre, portanto, ao fiscal confrontar a estreita correspondência entre o que está no papel e o que se verifica na realidade.

O aspecto sancionatório também tem seu espaço, na medida em que é dissuasivo de condutas desviadas. Com efeito, aquele que viola a norma, aquele que descumpre o seu dever de prestar contas deve sofrer a sanção devida e imediata. A sensação de impunidade é um relevante vetor de multiplicação das práticas dilapidadoras do erário e de desacato aos comandos legais, sobretudo os principiológicos, os mais caros na estrutura jurídica.

Outrossim, é princípio geral a participação ativa da sociedade civil. Este é um importante veículo de informações que impulsiona o controle externo pleno. Mas, para que esta simbiose (controle social e externo) ocorra é imprescindível um canal eficiente de comunicação com o agente social.

A mudança para a auditoria de boa governança pressupõe o estabelecimento de um marco legal completo para a prestação de contas. Neste sentido, é imperioso o estabelecimento de normas que garantam efetividade e compulsoriedade na adoção destas boas práticas. Nessa linha de pensar, imperioso mencionar a importância da adoção das normas de contabilidade pública reconhecidas internacionalmente que permitam a geração de relatórios financeiros confiáveis e tempestivos, pois é por demais consabido que a informação contábil precisa ser correta para possibilitar a adequada tomada de decisão. Mas não bastam apenas balanços públicos elaborados com base em padrões internacionais. É imperioso também a realização de auditoria com base em normas internacionalmente reconhecidas, pois torna-se necessário certificar, de forma independente, se as informações prestadas à sociedade são justas e confiáveis.

Nesse ânimo, é imprescindível, ainda, a conscientização social de que o intento da verificação da boa aplicação dos recursos públicos não é apenas dos órgãos de controle, mas dever de todos os cidadãos. Nesse sentido, cumpre verificar se o programa político guarda relação com as metas estabelecidas nas leis orçamentárias.

A disseminação da ética, enquanto valor, também deve ser buscada. A ética funcionará como um importante critério orientador e catalisador da interpretação virtuosa dos atos administrativos. É relevante que a ética seja vista como um meio único e indivisível de valoração da condução da administração pública. Em outras palavras, pode-se dizer que não existe uma ética do público e outra, do privado, pois deve ser vislumbrada em sua concepção unitária.

Nesses termos, a ética é fundamento dos poderes administrativos. Tal poder (nota: tais poderes?) tem (nota: têm?) liame visceral com a imposição da autoridade, mas sempre voltada (nota: voltados?) para o atingimento do interesse público. Em arremate, é adequado afirmar que a prerrogativa ética da atividade pública é de interesse indispensável.

Em considerações finais, pode-se dizer que a boa governança é o estágio ideal buscado pelo sistema de controle. Traduzindo em termos prosaicos, na forma brilhantemente apresentada por Eduardo Grinberg, Presidente do Tribunal de Contas Argentino, afirma-se que será infernal o ambiente de gestão que pratica gastos em excesso e de forma direcionada, com poder desmedido, sem transparência e sem controle. Da junção de todos esses elementos, teremos a corrupção e a fraude, que geram o descrédito e a desconfiança abordada no início deste breve ensaio.

Noutro passo, os controles externo e interno eficientes, a devida prestação de contas, o controle independente, aparelhado por um bom sistema de informação, regulação contábil, econômica e financeira, além de normas sancionatórias, levam a um ambiente melhor, ao qual podemos chamar, figurativamente, de purgatório. Inobstante, com a inserção da transparência, atingir-se-á o melhor estágio, no qual a boa governança se consubstanciará com gastos eficientes, econômicos, eficazes e efetivos.

Sabe-se que o poder precisa ser limitado, visto que essa limitação representa, em última análise, a preservação dos direitos fundamentais. Mas, se o controle reclama eficiência e eficácia dos controlados, antes deverá se impor eficiência e eficácia, visto que não é permitido, a ninguém, exigir o que não é capaz de dar ou fazer.

A sociedade deverá participar, mas antes deverá conhecer o controle, como funciona e que benefícios pode trazer. Tem-se também que caminhar para a profissionalização da administração, pois só assim ter-se-á a boa gestão.

Sobreleve-se que o controle interno, tão relevante na consecução dos objetivos mencionados, não pode se mimetizar com a administração, numa relação promíscua e viciada de tergiversação e subserviência. Em um sistema virtuoso de controle interno, este é efetivo, permanente, com garantias de atuação e independente. A gestão deve reconhecer que um bom controle interno é, antes de tudo, uma prestimosa fonte de informações para adoção de decisões seguras.

Cumpre pontuar que o processo de controle deve ser célere. Tal necessidade tem suas razões. A primeira é inerente à duração razoável do processo que, como é cediço, se traduz em direito fundamental. A segunda razão tem estreita relação com a efetividade, pois um processo de apuração lento é certamente estéreo, tanto no eixo pedagógico quanto no da restauração do erário desfalcado.

Cumpre conclamar ainda o Legislativo, importante instrumento de controle, a aproveitar melhor os frutos do controle externo na sua atividade legiferante. As leis devem coibir os desvios por meio da sua força coativa e, ao mesmo tempo, aparelhar as demais estruturas de controle no exercício de suas tarefas, com um sistema normativo preciso.

Por fim, deve-se registrar que a efetividade do controle público passa também por uma maior aproximação e troca de experiências entre os órgãos de controle. Posicionamentos, aliás, diretamente relacionados ao lema da Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras (INTOSAI): “experiência mútua em benefício de todos”.

De igual modo, se o desejo de Simón Bolívar de uma só América Latina continua sendo sonho neste continente que insiste em manter suas veias abertas, uma maior integração dos órgãos de controle pode contribuir para a adoção de medidas que reduzam a desigualdade e a pobreza. Alguns poderiam dizer que é utopia esse pensar, mas, como enaltece o escritor uruguaio Eduardo Galeano, a utopia existe tão somente para que a gente não desista de caminhar.

 
* Conselheiro Inaldo da Paixão Santos Araújo, presidente do TCE-BA
* Conselheiro André Luiz de Matos Gonçalves  TCE-TO