Controle irrenunciável

Controle irrenunciável

Valdecir Pascoal

No meu último artigo, “Mafalda e a questão tributária” (JC 11/10), tratei de alguns aspectos das renúncias de receitas, especialmente dos chamados “Gastos Tributários”. Visando atender a objetivos sociais e econômicos, o governo deixa de arrecadar cerca de 300 bilhões por ano, só no âmbito federal, ao conceder isenções fiscais, redução de alíquotas de impostos, deduções, anistias… Não se questiona a importância dos incentivos. Se concedidos a partir de critérios técnicos, com avaliação de impactos e de forma transparente, eles podem fomentar a economia, gerar empregos e contribuir para o desenvolvimento. A experiência brasileira, contudo, não é boa. Além de ser necessário melhorar a governança sobre a concessão desses benefícios, é preciso aprimorar a legislação e o seu controle.

Houve avanços no ordenamento jurídico. A CF prevê que o orçamento anual seja acompanhado de um demonstrativo do impacto das renúncias sobre a estimativa das receitas anuais, mas poucos governos cumprem a contento essa regra. A LRF trouxe nova esperança, que logo se revelou ilusória. Exige, por exemplo, que a concessão ou ampliação de renúncias, durante o exercício, seja compensada pelo aumento de outras receitas. Tal previsão, que poderia contribuir para o equilíbrio das contas e ser um freio na guerra fiscal, acabou esvaziada, pois a mesma lei permite driblar esse requisito, ao dispensar a compensação quando o benefício já estiver computado no orçamento. As reformas fiscais que tramitam no Congresso avançam quando estabelecem um teto de 2% do PIB para as renúncias e a obrigação de uma reavaliação a cada 4 anos.

Os Tribunais de Contas têm um papel relevante no tema das desonerações tributárias. A CF prevê expressamente que a fiscalização, operacional e de conformidade, deve abranger não só as despesas mas também as renúncias de receitas. Analisando a notável curva de aprimoramentos que essas instituições tiveram após a CF/88, é forçoso reconhecer que ainda é preciso avançar muito no controle das receitas e de suas renúncias. A Atricon, já em 2016, editou diretrizes para estimular esse controle pelos Tribunais de Contas. Existem, sim, boas práticas sobre o tema no TCU e em alguns Tribunais estaduais e municipais, mas é preciso uma ação mais sistêmica, efetiva e contínua. Que tal iniciar uma nova inflexão desse controle por meio de uma auditoria coordenada nacional envolvendo todos os Tribunais de Contas do país?

A renúncia precisa valer a pena e os Tribunais de Contas não podem renunciar a esse dever republicano.

 

Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE