Atricon é contra vincular Tribunais de Contas ao CNJ

Valdecir_PascoalO presidente da Atricon, conselheiro Valdecir Pascoal, afirmou que as propostas que procuram inserir os Tribunais de Contas na jurisdição do CNJ – Conselho Nacional de Justiça – além de inconstitucionais, revelam-se inadequadas. “Elas ferem a autonomia dos Poderes, e exigem, em vista da necessidade para o exercício da atividade, conhecimento sobre todas as peculiaridade do processo de contas”, disse ele. O presidente voltou a defender a criação de um Conselho Nacional, nos moldes dos que existem para a magistratura e Ministério Público, que serviria não só para fiscalizar a atuação dos Tribunais de Contas, mas, principalmente, para ajudar a diminuir as assimetrias existentes nos TCs.
As afirmações foram feitas durante entrevista do conselheiro ao Portal Fato Online, de Brasília.
O Presidente  destacou ainda a aplicação do Marco de Medição do Desempenho dos Tribunais de Contas, ferramenta de avaliação desenvolvida pela Atricon e que integra o Programa Qualidade e Agilidade dos Tribunais de Contas (QATC).
A entrevista também abordou o tema composição dos Tribunais de Contas e o relatório da ONG Transparência Brasil.

Confira a íntegra:

1 – A ONG Transparência Brasil fez um levantamento no ano passado e concluiu que pelo menos 20% dos conselheiros dos TCs em todo o país respondem ou já responderam processos na justiça. Há alguns casos de condenação por homicídio, improbidade administrativa, corrupção, etc. Até que ponto a nomeação de pessoas com esse tipo de problema pode afetar a credibilidade das cortes de contas?

Valdecir Pascoal – Na época achamos estranhas e desproporcionais as críticas da ONG, presidida há muitos anos por um representante da construção civil, e por isso fizemos um manifesto sobre o levantamento. Este manifesto da Atricon foi amplamente divulgado e está disponível no endereço eletrônico:  https://www.atricon.org.br/wp-content/uploads/2014/05/ManifestodaAtricon_TBrasil.pdf.

A estranheza foi acentuada pelo fato de a ONG, até então, nunca ter  criticado os TCs com tamanha veemência, justamente no momento em que os TCs brasileiros mais demonstravam resultados para a sociedade, a partir do controle preventivo em obras públicas, constatando a prática de sobrepreços e superfaturamentos de alto impacto na sua economicidade. A operação Lava-Jato é uma das evidências de que os TCs estavam certos. Quanto ao fato de haver conselheiros condenados ou respondendo a processo, dissemos à época que era uma situação desconfortável, sim,  que era necessário mais rigor de todas as autoridades quando da aferição dos requisitos constitucionais para o provimento do cargo e que era – e continua sendo – necessária a criação de um Conselho Nacional para os Tribunais de Contas, para, entre outras coisas, cuidar da questão ética com mais rigor e independência. No entanto, ressaltamos que aquele dados não eram muito diferentes se comparados às estatísticas de outros Poderes e que a todos eles deveriam ser assegurado o devido processo legal, com a premissa básica da ampla defesa, considerando, também, a presunção de inocência, como garantia constitucional, até o trânsito em julgado das sentenças.

2 – No mesmo levantamento a ONG descobriu que grande parte dos conselheiros são políticos ou parentes de políticos. Na sua avaliação, isso pode ser um complicador ou não afeta em nada a atuação dos TCs?

Valdecir Pascoal – Outra falha do relatório da ONG era não apontar incongruências em decisões e votos daqueles membros que militaram legitimamente na atividade política, antes de ingressarem nos TCs. Era como se eles fossem, de antemão, uma espécie de “câncer” pelo simples fato de terem tido experiência política. Não concordamos com aquilo. Não foi uma crítica científica e revelou um quê autoritário, um tom antidemocrático. A rigor, o modelo de composição previsto na CF em que 1/3 dos membros são egressos de carreiras técnicas (Membros Substitutos – Auditores e Procuradores de Contas) e 2/3 são indicados pelo Poder Legislativo, respeitados requisitos constitucionais de conhecimento e idoneidade,  é um modelo já avançado e que merece nosso respeito. Nada obstante, a Atricon vem debatendo internamente e está aberta, democraticamente, a discutir com a sociedade propostas que visem ao aperfeiçoamento dos critérios de indicação de nomes para ocupar os cargos de membros dos Tribunais de Contas

3 – Tramita no Congresso Nacional uma PEC que trata de mudanças na indicação para os TCs. O Sr tem acompanhado a tramitação dessa proposta? O Sr acredita que essas mudanças podem impedir a indicações de pessoas que respondem processos na Justiça?

Valdecir Pascoal – Estamos acompanhando, sim, e com muita atenção, haja vista, como disse, que esse tema já é debatido no âmbito da nossa associação. Pessoalmente – e aqui não falo pela Atricon, que ainda não fechou questão sobre mudanças de modelo – defendo uma inflexão no modelo de composição, nos moldes do que ocorre na magistratura, em que a maioria dos membros dos Tribunais é oriunda da carreira. Aumentar a participação no colegiado de Auditores (Ministros e Conselheiros substitutos) seria, por exemplo, uma boa alternativa. Outra medida diz respeito ao aumento do quórum para aprovação dos indicados pelo Poder Legislativo, especialmente daqueles da cota do Executivo ou do próprio Legislativo. Um quórum qualificado para a sabatina e para a aprovação final exigirá da autoridade responsável que indique um cidadão que tenha a aprovação também da oposição ao seu governo. Isso será melhor para o sistema. É assim, por exemplo, que acontece para a indicação de ministros da suprema corte americana.

4 – Recentemente o Sr propôs a criação de um conselho, nos moldes do CNJ para controlar a administração dos TCs. De que forma esse conselho funcionaria?

Valdecir Pascoal – Essa é uma bandeira da Atricon e da grande maioria de membros dos Tribunais de Contas. Um Conselho Nacional, nos moldes dos que existem para a magistratura e para o ministério público, é  fundamental para cuidar não só da questão ética de seus membros, mas, principalmente, para ajudar a diminuir as assimetrias em nossos Tribunais, a partir da fixação de indicadores e metas de desempenho, na  busca de conferir mais qualidade e agilidade aos serviços que prestamos. As propostas que procuram inserir  os TCs na jurisdição do CNJ, além de inconstitucionais, por ferirem a autonomia dos Poderes, revelam-se inadequadas,  em vista da necessidade, para o exercício dessa atividade, de conhecimento sobre todas as peculiaridade do processo de contas. A proposta do então Senador  – e hoje ministro do TCU – Vital do Rêgo é a que mais se aproxima do modelo que defendemos, embora demande alguns ajustes, tais como a exclusão dos Procuradores de Contas de sua jurisdição – haja vista a garantia constitucional de independência funcional que lhes é inerente – e a criação de  mais uma vaga para representantes  da sociedade civil.

5 – Nacionalmente os próprios funcionários do TCU, juntamente com a imprensa, conseguiram impedir a nomeação de pessoas indicadas pelo Senado Federal que respondiam processos na justiça – os ex-senadores Luiz Otávio e Gim Argelo. Por que nos estados a pressão da mídia não funciona?

Valdecir Pascoal – Esses fatos citados foram muito importantes. Históricos. Demonstraram que o próprio sistema Tribunais de Contas e suas entidades representativas não aceitam a indicação de membros que não preencham cabalmente os requisitos constitucionais, notadamente os da idoneidade moral e da reputação ilibada. A propósito, durante o IV Encontro dos Tribunais de Contas, ocorrido em Fortaleza, em agosto de 2014, aprovamos uma Declaração em que afirmamos a necessidade de “Ficha Limpa” para os membros indicados, como condição primeira da idoneidade e da reputação ilibada, e que os Tribunais de Contas se recusassem a dar posse àqueles que não cumprissem esses requisitos. Esse movimento ganhou corpo e já é uma realidade em muitos estados. Outro ponto aprovado foi a necessidade de os Legislativos permitirem, sem burocracia, a candidatura de cidadãos para concorrerem a vagas nos Tribunais de Contas. Essa Declaração histórica, aprovada no IV Encontro, está no endereço eletrônico: https://www.atricon.org.br/wp-content/uploads/2014/08/DECLARACAO_DE_FORTALEZA.pdf.

6 – O Sr acha que os TCs, especialmente os estaduais, têm atuado no combate ao desvio ou desperdício de dinheiro público de forma efetiva, ou ainda tem que melhorar? Se sim, de que forma? 

Valdecir Pascoal – Após a CF, a LRF e a Lei da Ficha Limpa toda a sociedade passou a sentir a importância dos Tribunais de Contas para a democracia, a qualidade da gestão e a sua probidade. Atuamos cada vez mais de forma preventiva para evitar a consumação de  prejuízos. A fiscalização concomitante, que significa fazer “biópsias” (e não “autópsias”) dos atos de gestão, com o cuidado de não travar a política pública, é realidade em todos os Tribunais de Contas brasileiros – repito: em TODOS –  e tem evitado bilhões de prejuízos aos erários. Outro ponto de destaque é que a causa mais efetiva de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa é justamente o fato de gestores terem tido contas julgadas irregulares pelos Tribunais de Contas. Isso reforça nosso papel de guardião do erário e da democracia. Mas é claro que, como qualquer instituição pública, os Tribunais de Contas podem evoluir ainda mais. Num modelo em que existem 34 Tribunais, as assimetrias existem e a diminuição delas tem sido a preocupação número um da Atricon.

7 – Qual as sugestões da ATRICON para melhorar a atuação dos TCs no cumprimento dos seus deveres constitucionais?

Valdecir Pascoal – Embora sejamos uma entidade de classe, há muitos anos optamos por direcionar nossas ações  — que, vale dizer, estão alicerçadas em um efetivo planejamento estratégico —  para o aprimoramento institucional dos Tribunais de Contas. Como parte desse processo, foi criado em 2012 (e ampliado em 2014, com metodologia de padrão internacional) o Programa Qualidade e Agilidade dos Tribunais de Contas do Brasil (QATC), composto por dois projetos: as Resoluções-Diretrizes da Atricon, aprovadas durante o IV Encontro de Fortaleza, e o Marco de Medição do Desempenho dos Tribunais de Contas do Brasil (MMD-TC). É, sem dúvida, o nosso projeto prioritário, pois ele permite o aprimoramento institucional sem a necessidade qualquer alteração constitucional ou legal. Esse diagnóstico é composto da avaliação de aproximadamente 500 indicadores referentes a boas práticas de organização e funcionamento dos Tribunais de Contas. Do ponto de vista da nossa atuação, ele compreende uma completa radiografia de todas as áreas, a exemplo de: composição constitucional, prazo para julgamento de processos, controle preventivo, qualidade da auditoria, planejamento estratégico, comunicação, atuação de corregedorias e ouvidorias, controle interno e transparência. Na primeira versão desse levantamento, realizada em 2012, tivemos a adesão de 28 dos 34 Tribunais. Agora, em 2015, já aderiram ao MMD-TC 31 Tribunais de Contas, inclusive o TCU. Sem falsa modéstia, essa ferramenta de avaliação desenvolvida pela Atricon é a que melhor atende ao nosso modelo e, estamos certos, será decisiva para alçar definitivamente os Tribunais de Contas brasileiros ao patamar de modelos internacionais de instituições de controle que zelam pela efetividade de suas ações e que devem estar a serviço da boa governança, da ética e, sempre, a serviço do cidadão. Recomendo a leitura do nosso Programa QATC e o MMD-TC no endereço: https://www.atricon.org.br/mmd-tc/