Um Conselho Nacional para os Tribunais de Contas

por Dimas Eduardo Ramalho*

Há propostas de emenda à Constituição pretendendo a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas – CNTC. Tramitam desde 2007. Buscam consolidar o controle externo da administração pública em um sistema nacional, hoje disperso nas peculiares e próprias formas de fiscalização e controle desenvolvidos pelos atuais 34 Tribunais (TCU, 26 TCEs, TCDF, 4 Tribunais de Contas dos Municípios do Estado, TCMSP e TCMRJ).

É que, embora todas as Cortes de Contas encontrem na Constituição Federal o supedâneo para suas competências, composição e organização, nela também vão haurir fundamento para os contornos da sua autonomia, não submetendo suas atuações administrativas e financeiras, nem o cumprimento dos deveres funcionais de seus membros a um controle central, como se dá, por exemplo, com os membros do Judiciário e do Ministério Público, subordinados ao  Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público.

Ao se consolidar em um sistema nacional padrões mínimos de atuação dos Tribunais de Contas para o controle e fiscalização dos recursos públicos, garantir-se-ia, obviamente, tratamento equânime a uma mesma matéria, não se deixando à mercê de diferenciadas disposições formuladas no âmbito de cada Corte de Contas ou, como se queira, na esfera de cada ordenamento jurídico federal, estadual ou municipal que têm a incumbência de disciplinar as suas correspondentes leis de funcionamento. O que se quer dizer é que as diferentes leis orgânicas não deveriam destoar, por exemplo, no procedimento ou nos critérios de fiscalização sobre aplicação do mínimo constitucional da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, ou do mínimo aplicável na saúde.

Normas uniformes sobre processo de contas seriam bem-vindas, na forma do que se poderia chamar de Código de Processo de Contas, necessitando-se da devida alteração na Constituição Federal para que o Congresso Nacional pudesse vir a editá-lo, mercê do modelo federativo de competências legislativas adotado, que permite iniciativas subnacionais e até locais, forjando cada Tribunal, mediante lei própria, seu peculiar processo de contas. Pressupõe-se que um código nesses moldes garantiria uma conformação supostamente mais objetiva e uniforme de observância do princípio do devido processo legal, de que são corolários a ampla defesa e o contraditório, passando pelo necessário cumprimento dos princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

O combate à corrupção e à má utilização dos recursos públicos passa também por critérios padronizados de auditoria que poderiam irradiar do CNTC. Haveria de se pensar em fiscalização não apenas no que concerne à legalidade e à regularidade dos procedimentos administrativos, mas, sobretudo no que diz respeito aos resultados obtidos com a utilização dos recursos, notadamente sob a perspectiva da sua eficácia, eficiência e efetividade.

Nesse sentido, aliás, os Presidentes de Tribunais de Contas de todo o Brasil reuniram-se no último mês de maio em São Paulo para promover a implantação do Índice de Efetividade da Gestão – INDICON nos 5.570 municípios brasileiros. Trata-se de ampliar nacionalmente o Índice de Efetividade da Gestão Municipal – IEGM, elaborado e implantado pelo TCE-SP sobre todos os municípios do Estado, menos a capital, para monitorar as ações dos governos municipais às exigências das comunidades locais; ou seja, para verificar o resultado das políticas públicas dos municípios nas áreas da educação, saúde, planejamento, gestão fiscal, meio ambiente, proteção dos cidadãos e governança da tecnologia da informação. Busca-se auxiliar os gestores municipais no planejamento, elaboração e implantação de políticas públicas, além de se pretender levar transparência à sociedade acerca da eficácia e até mesmo sobre a efetividade das ações governamentais intentadas.

O CNTC, zelando pela autonomia dos Tribunais de Contas, haveria de ser perspectivado como órgão representativo da independência dos membros dos 34 Tribunais de Contas hoje existentes, com delegação para centralizar o planejamento estratégico dessas instituições, discutindo com os representados e depois definindo a execução de padrões e metas nacionais de controle e fiscalização. Para tanto, poderia recomendar providências e expedir atos regulamentares. Além do que, ficaria encarregado de elaborar anualmente relatório estatístico sobre as atividades de cada Tribunal, propondo metas, estratégias, instrumentos e providências que entendesse necessárias para o bom desempenho das funções constitucionais conferidas aos Tribunais de Contas, notadamente para garantir a interlocução com a sociedade, fomentando também o controle social dos gastos públicos. Sem olvidar experiências internacionais que, porventura, poderiam contribuir para estruturação de um modelo de auditoria aplicado aos entes federativos brasileiros, com foco não apenas na auditoria preventiva, mas principalmente na de resultado.

A validade dos atos administrativos praticados por membros dos Tribunais de Contas poderia ser apreciada pelo CNTC, à semelhança do que já ocorre com o CNJ e CNMP. Entre suas atribuições poderia estar inclusive a fixação de prazo em ordem a que fosse adotada, eventualmente, providência necessária para o exato cumprimento de norma interpretada.

Ao CNTC seria conferida, ainda, competência para ser órgão de última instância de atuação correicional, podendo apreciar processos disciplinares, e também poderia averiguar o atendimento aos requisitos constitucionais exigidos de indicados para compor as Cortes de Contas.

Há que se discutir a composição do próprio CNTC, número de membros, a representação (nele) dos Tribunais de Contas, do Ministério Público de Contas, do Corpo de Auditores, do Legislativo, da OAB, da sociedade civil, etc; duração do mandato de seus membros, recondução e presidência do órgão.

As grandes transformações e avanços esperados pela sociedade brasileira hoje, e que certamente repercutem em todas as camadas da população, dizem respeito à postura ética do homem público em relação ao trato com o dinheiro que é de todos.

A criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas vai ao encontro dessa preocupação. Cabe ao Congresso Nacional avaliar essas premissas e finalidades postas nesta despretensiosa, mas, creio, necessária reflexão, sob a perspectiva do princípio da separação de poderes, do poder controlando o poder, pilar estruturante do Estado Democrático de Direito.

*Dimas Eduardo Ramalho é presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo