Os desafios do STF e a análise econômica do Direito

Por Marcos Nóbrega*

Nos últimos tempos o protagonismo do Supremo Tribunal Federal tem sido notado com mais ênfase. Foi a Suprema Corte que balizou as regras do processo de impeachment e garantiu uma transição menos traumática. Além disso tem discutido temas cada vez mais relevantes para o cidadão comum, sempre interpretando e guardando o texto Constitucional.

Ocorre que, malgrado os já grandes temas que a Corte tem se deparado, (como a Lava Jato, por exemplo) outros chegarão à sua apreciação nos próximos tempos e caberá aos juízes serenidade e amplo aspecto técnico para apreciá-las. Para tanto, o STF deve estar cada vez mais atento às relações entre o direito e a economia, ou melhor , aos incentivos que as leis e as decisões judiciais provocam.

Um dos assuntos importantes é o novo padrão fiscal instalado no país pela emenda constitucional n. 95 que constitucionalizou a política fiscal responsável, considerando que leis não mais teriam força para fazê-lo. O excesso de gastos no presente, desde que as condições econômicas assim não permitam, só pode levar a dois caminhos: inflação ou endividamento. No caso da inflação, os penalizados imediatos são os pobres que veem seus rendimentos evaporarem na ilusão monetária. Quando o financiamento é feito via dívida pública, persiste uma lógica intertemporal. Gastar hoje e se endividar compromete o patamar de gastos do futuro, das próximas gerações. Economias com crônicos desequilíbrios fiscais, conquanto aparentemente aumentem o bem estar no presente, não conseguirão fazê-lo no futuro.

Isso tudo repercute no redesenho do federalismo fiscal brasileiro que até agora gerou mais distorções do que acertos. Ademais, a profunda crise dos estados membros bem sinaliza a irresponsabilidade fiscal calcada no boom econômico de outrora mas que mascarava gastos insustentáveis.

Outro ponto sensível nos próximos anos será a reforma do sistema previdenciário. O choque geracional e os déficits atuariais reiterados dos sistemas públicos determinam a necessidade imperiosa de ajustes que se coadunam com o modelo fiscal que ora se instala. Assim, o STF será demandado para definir o que é possível reformar ou não. O que parece inconteste é que a matemática não é uma conspiração neoliberal, pelo que adaptações do sistema são necessárias e se fazem urgentes.

As regras para viabilizar a melhoria da infraestrutura no Brasil também sofrerão mudanças significativas nos próximos. Desde o redesenho dos limites e alcance das concessões à PPPs até possível edição de uma nova lei de licitações. Sem uma modernização dessas leis, ainda estaremos arraigados ao passado onde aspectos como custos de transação, racionalidade limitada, sunk costs e assimetrias informacionais não eram considerados. A Suprema Corte deve ficar atenta a essas demandas, pronta a entender as reais motivações do agentes econômicos e como a lei e a decisão judicial repercutem nas estratégias de contração e execução das avenças. É necessário olhar para frente e não apenas arraigar-se ao “retrovisor jurisprudencial”.

Por fim, nesse panorama não exaustivo de profundas mudanças cabe lembrar que o direito ainda tem enorme dificuldade de compreender a chamada disrupt regulation (algo como regulação perturbadora), que surge com as repercussões jurídicas de fenômenos como Uber e Airbnb. Percebe-se que a primeira resposta às inovações é simplesmente proibir e reprimir. É necessário entender o fenômeno e encontrar formas mais adequadas de regulá-lo, atendendo os interesses de todas as partes. O STF será demandado a apreciar tais temas e seus reflexos na seara trabalhista, comercial, tributária e contratual.

Por tudo, a Suprema Corte deve se preparar para efetivamente os grandes desafios porque, como dizia Paul Valéry, já percebemos que o futuro não é mais como era antigamente.

*Marcos Nóbrega é conselheiro-substituto do TCE-PE, prof. da Faculdade de Direito do Recife – UFPE, e ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia – ABDE