O que somos e podemos ser

Nestes seis meses como presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) tenho-me deparado com compreensões diametralmente opostas relacionadas a um mesmo tema: o valor que se dá às instituições. De um lado, aqueles que acreditam ser fundamental fortalecê-las, velam pela sua existência e, em caso de instituições organizadas da sociedade civil, lutam por robustecer a representação. De outro, também muitos tentando diminuí-las, não se importando com a sua existência, dando pouco caso às próprias entidades representativas (às quais pertencem por força do destino, por formação profissional ou por terem seus interesses defendidos – não importa se associados ou não).

Sou integrante convicto do primeiro grupo, vigilante democrático e guardador dos valores republicanos – ciente de que é preciso participar, oferecendo sua quota pessoal e temporal às entidades representativas, e estar na trincheira da defesa das instituições (os homens vivem as instituições e não o inverso. Só assim elas serão o predicado dos homens).

Entendo que os homens que assumem cargos públicos não podem ficar alheios às coisas e aos fatos, como se o mundo resumisse aos seus umbigos. Também não podem alienar-se, pressupondo como eterna a condição de destaque assumida em decorrência de um cargo ou função pública (os homens passam, as instituições ficam). Da mesma forma, jamais esperar que as mudanças, a evolução, o aperfeiçoamento dos processos aos quais estamos submetidos ocorram por osmose ou milagre na seara da inação. Tenho repetido frase alheia, porém apropriada, com convicção: viver implica tomar partido, atuar, pertencer, contribuir.

Abordo esse tema colocando o dedo na ferida no caso da nossa própria entidade representativa. Se de um lado, dia a dia, cresce o número de membros dos Tribunais de Contas acreditando e dando sustentação à Atricon, noutro extremo ainda vejo, com pasmicidade, a existência de muitos integrantes das instituições de controle externo pouco se lixando para a importância de se ter um organismo representativo de vanguarda e fortalecido. Alguns simplesmente preferem ignorar a instituição. É como se a Atricon representasse apenas uma parcela dos membros dos Tribunais de Contas.

A parcela indiferente comporta-se como se ainda fosse possível ficar totalmente afastada dos inúmeros desafios que temos pela frente. É elementar que ninguém deve ser obrigado a se associar a uma entidade. O que se questiona é a indiferença, é a apatia daqueles que, pela ausência ou omissão, acabam contribuindo para o enfraquecimento dos Tribunais de Contas. A inação rema contra a correnteza e o rio corre para um mar que exige atuação e ação propositiva e transparente dos conselheiros e auditores substitutos de conselheiros. Queiram ou não queiram, alguns ou muitos, vivemos em um mundo que não aceita mais a existência de ilhas inacessíveis, como eram os nossos Tribunais de Contas.

A Atricon se coloca – até por força de deliberações do último Congresso de Tribunais de Contas – em posição antagônica àqueles que preferem o isolamento acústico. Nossa entidade vem trilhando o caminho da integração, da viabilização e consolidação de um sistema nacional de controle externo. Mira o preceito constitucional que estatuiu um único controle externo e não instituições que funcionem segundo lógica própria nos planos federal, estadual ou municipal.

Por esta linha de raciocínio, tenho-me perguntando com frequência se existe ampla compreensão entre nossos próprios pares sobre “O que é a Atricon?”, “Qual é o seu valor?” e “O que faz a nossa entidade?”.

Faço esses questionamentos porque, em obediência às deliberações congressuais, lutamos atualmente pela consolidação do sistema de controle externo; trabalhamos pela criação de um Conselho Nacional para os Tribunais de Contas; estamos debruçados na elaboração de uma Lei Nacional Processual; realizamos um esforço desdobrado para extrair um plano estratégico de longo prazo (seis anos ou para três gestões) que prevê o estímulo aos Tribunais de Contas na realização de ações que visem à melhoria da qualidade da auditoria. Entretanto, mesmo assim, para muitos, é como se esses assuntos não lhes dissessem respeito. Como não gosto de teorias da conspiração, não me aventuro a acreditar que estes estejam deliberadamente jogando contra o sistema.

Recentemente, na 3ª Olimpíadas dos Servidores de Tribunais de Contas, em Caldas Novas (GO,) assisti a uma situação de pura indiferença à nossa entidade. Durante a abertura do evento, fez-se loas às pessoas, reverenciou-se ocupantes de cargos; e literalmente se esqueceu das instituições, tanto a que representa os membros e os Tribunais de Contas quanto àquela que representa os próprios servidores. Se se esquece as instituições de representação, que dirá das instituições a que se pertence.

Da mesma maneira, nas mais diversas audiências no Congresso Nacional, em peregrinações pela retomada da tramitação da emenda que cria o Conselho Nacional dos Tribunais de Contas, encontrei entre parlamentares tanto o desconhecimento sobre o que é e o que faz a Atricon, como incompreensão sobre a atividade dos próprios Tribunais de Contas. Para alguns, os órgãos de controle externo são meras instituições adjacentes do Poder Legislativo.

Mesmo no Judiciário enfrentamos problemas, com magistrados que preferem ignorar o texto constitucional e colocam em xeque a soberania da nossa atuação e a legitimidade das nossas decisões, como se os Tribunais de Contas servissem tão somente para emitir pareceres sobre balanços contábeis – recusando-se a enxergar o alcance amplo de nossa fiscalização (legalidade, legitimidade, economicidade, etc.) e de consagrar nossa legítima competência judicante em relação ao julgamento das contas de gestores públicos.

Neste sentido, estamos lutando no Supremo Tribunal Federal para assegurar a competência de julgar as contas de gestão dos prefeitos – uma decisão desfavorável tem o alcance de deixar os prefeitos em condição de inimputáveis, posto de o juizo natural de análise de gestão é o Tribunal de Contas (não confundir com análise de contas de governo, objeto de legítima apreciação pelas Câmaras Municipais – para as quais, aí sim, são emitidos pareceres prévios pelos Tcs).

No Legislativo, não podemos ignorar que, em alguns casos, vislumbramos certo desmerecimento com a nossa relevância institucional, especialmente quando da escolha de membros para os Tribunais de Contas, sem que se observem os requisitos constitucionais exigidos para o cargo.

Esta reflexão não diminiu minha convicção e não desmerece meu ímpeto. Mas obriga-me a fazer este “alerta-chamamento” para o quadro preocupante, pois mais do que nunca precisamos de unidade, de integração, de atuação da esmagadora maioria dos membros de Tribunais de Contas. A Atricon serve para isso, é a arena natural e institucional para debatermos e pensarmos conjuntamente qual o futuro que queremos para os Tribunais de Contas.

*O Conselheiro Antonio Joaquim é Presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e corregedor-geral do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT)

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