O controle social da educação e a democracia participativa

A constituição de 1988, ao definir a nossa República Federativa como estado democrático de direito, inaugurou a era da democracia participativa. Assim, por exigência constitucional, a participação popular se realiza de forma indireta elegendo representantes e de forma direta através de plebiscitos, referendos, iniciativa popular de leis e presença nos mais diversos conselhos de acompanhamento da implementação de políticas públicas.
No tocante à educação, a criação do FUNDEF, e posteriormente do FUNDEB, deu grande ênfase ao controle social. Inegavelmente, com a instalação dos conselhos, houve uma maior mobilização e discussão por parte da  sociedade, que vislumbrou em tal espaço oportunidade ímpar de influenciar também na aplicação correta do gasto público, verificando se o mesmo está de acordo com a legislação, possibilitando o combate à corrupção e ao desperdício.

Os conselhos do FUNDEB funcionam?

É chegada a hora de avaliar se os propósitos que animaram a elaboração dos conselhos se realizaram ou se esses mecanismos se burocratizaram, criando só uma aparência de controle social. Da minha vivência como educadora e agora, como conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, percebo duas tendências opostas: de um lado experiências exitosas de controle social, onde os conselheiros se capacitaram e conseguiram cumprir o papel que dele se espera; de outro, é imperioso reconhecer que em muitos municípios o executivo tornou-se hegemônico nos conselhos transformando-os em meros apêndices da administração pública, gerando uma participação enganosa, legitimadora de políticas educacionais pouco transparentes!

Inclusive, na tentativa de combater tal tendência acima exposta, organizei em 2011 um encontro com os presidentes dos conselhos do FUNDEB, com as presenças ilustres, dentre outros, do ministro José Jorge, do Tribunal de Contas da União (TCU) e do professor Mozart Neves, do Movimento Todos pela Educação. Vale destacar que o conteúdo do evento foi fortemente marcado pelo apelo em defesa da autonomia dos conselhos e de seu não aparelhamento por parte do executivo.

É bom sempre frisar que o conselho do FUNDEB possui atribuições relevantes garantidas pela lei 11.494/2007, como, por exemplo, instruir, com parecer, as prestações de contas a serem apresentadas ao respectivo Tribunal de Contas.

É incumbência também do conselho acompanhar e controlar a execução dos recursos federais transferidos à conta do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (PNATE) e do Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos, verificando os registros contábeis e os demonstrativos gerenciais relativos aos recursos repassados, conforme prevê a lei. Quando, na condição de conselheira do Tribunal de Contas, determino inspeção nas contas dos municípios, tenho o cuidado de destacar um servidor com a incumbência de dialogar com os conselheiros do FUNDEB, no intuito de verificar se o mesmo exerce  plenamente suas competências garantidas por lei. Infelizmente, a constatação que se faz é que muitos conselheiros assinam as atas das reuniões sem o devido conhecimento do que foi deliberado.

Qualidade do gasto em educação

Outro aspecto do controle social é o acompanhamento da qualidade da aplicação dos recursos. Destarte, o controle não pode ser reduzido apenas à análise da legalidade. É crucial que as dimensões da eficiência, eficácia e efetividade sejam verificadas. Assim, é importante avaliar se as políticas públicas estão produzindo os resultados esperados, a um preço compatível e se a comunidade está satisfeita com os serviços que lhes são prestados.
Alguns Tribunais de Contas estão estudando maneiras de se medir a qualidade do gasto, só que para isso é preciso ter indicadores que apontem a boa ou má aplicação dos recursos. Em Mato Grosso do Sul, ainda de forma embrionária e informal, está se gestando a criação de um núcleo estratégico da educação junto ao Tribunal de Contas, visando a coleta e sistematização de dados que sirvam de base para o julgamento das contas públicas.

O núcleo estratégico tem o papel também de instrumentalizar os servidores do tribunal, para que os mesmos, quando realizarem inspeções de monitoramento, tenham condições de avaliar a relação entre o gasto e a qualidade do ensino.

Outra tarefa do núcleo estratégico será de detectar as boas práticas educacionais, criando um banco de dados disponível a todas as secretarias de educação. No planejamento para o ano que vem, consta a realização de curso de capacitação para os novos secretários de educação e conselheiros do FUNDEB. Estou convicta que o TCE/MS pode auxiliar os conselhos do FUNDEB na avaliação do tratamento dispensado aos professores no que diz respeito ao plano de carreira, piso salarial e 1/3 necessário para o planejamento, além da existência da formação continuada, concurso público e outros elementos que configuram a efetividade do gasto público. Com certeza, o núcleo estratégico do TCE/MS contribuirá, e muito, para que o conselho do FUNDEB tenha instrumentos adequados para fiscalizar a qualidade da merenda escolar, do transporte escolar e acompanhar o gasto com os insumos agregados com a aprendizagem.

Esses levantamentos possibilitarão a visibilidade das boas práticas na área da educação e, consequentemente, auxiliarão os municípios que se mostrarem ineficazes nos gastos com os recursos do FUNDEB a corrigirem essa distorção.

A importância da atuação em rede

O grande desafio para todos que atuam na fiscalização da aplicação dos recursos públicos, como o TCE, TCU, CGU, MP e Judiciário, é conseguir atuar em rede, compartilhando dados, trocando informações.

Quando a fiscalização é feita sem o mínimo de articulação, respeitando obviamente as peculiaridades de cada instituição, ela se fragiliza e abre espaços para a ineficiência. Faltam mais diálogo e capacidade de superar o corporativismo que bloqueia a soma de esforços!

Finalizando, ressalto mais uma vez o papel insubstituível do conselho do FUNDEB. A verdade é que seus membros estão no cotidiano das escolas, como secretarias e outros setores. A proximidade física e o comprometimento ético e emocional com a educação possibilitam que seu olhar seja aguçado para detectar desvios como também incentivar gestões educacionais efetivas.

Nada promove mais resultado que o próprio cidadão fiscalizando o poder, cobrando agilidade, construindo a ideia de pertencimento à comunidade escolar.

Confira AQUI o artigo científico completo, com gráficos e citações.

*Marisa Serrano é conselheira do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul (TCE/MS).

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