Democracia e Controle

por Inaldo da Paixão Santos Araújo*
 

Certa feita, não faz muito tempo, ouvi a frase: “Meu Deus, como é que o povo vota em um homem desses?” Não vou aqui confessar a quem a crítica foi dirigida, contudo, nos meus pensamentos, redargui: Meu Deus, como é bom o povo poder escolher!

Sim! Apesar das severas críticas aos políticos brasileiros, feitas de forma muito mais acentuada nos últimos tempos, devemos agradecer por ter a possibilidade de escolhê-los e de substituí-los pelo sufrágio. De fato, não há outro caminho a não ser o do jogo democrático, mesmo que, por vezes, ele apresente estranhos resultados. Afinal, assim como Abraham Lincoln, no discurso de Gettysburg, proferido em 1863, devemos desejar que “o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da terra”.

Não escrevo este artigo para discutir a democracia, a importância do governo do povo e da prevalência pela vontade da maioria. Delego essa árdua tarefa aos cientistas políticos. Afinal, cada um com sua messe. Entretanto, em se tratando de regime de governo, nada melhor do que, democraticamente, de tempos em tempos, eleger e, eventualmente, destituir – pelo voto popular – os responsáveis pelo destino de uma sociedade.

Sim! Como símbolo maior da democracia, o voto representa o principal agregador na construção de propostas e políticas que melhorem as condições de vida da população.

Porém votar apenas não basta para fortalecer a democracia. Nos dizeres do pesquisador da FGV-Rio Carlos Pereira, em estudo sobre como a corrupção prospera e funciona, “[…] não dá para depender apenas da punição via voto – que nem sempre ocorre em casos de maior informação –, é fundamental fortalecer os órgãos de controle”.

De fato, não se pode conceber um regime democrático em que a coisa pública não seja gerida com ampla transparência, em que as prestações de contas não sejam tempestivas e amplamente divulgadas, bem como que não conte com órgãos de controle externo cada vez mais fortes, que atuem sob o manto da independência, livres de qualquer ameaça ou interesse. Afinal, como bem o disse o ilustre advogado trabalhista Benedito Calheiros Bonfim: “Todo o poder a salvo de controle externo tende ao abuso, ao arbítrio, ao autoritarismo. Dessa regra não se executa o Judiciário nem qualquer outra instituição”.

Para fortalecer o controle, entretanto, é necessário repensar a forma de provimento de seus dirigentes, capacitar servidores, investir em sistemas de informação, dar status constitucional para os servidores do controle, como já ocorre com os auditores fiscais (ex vi, art. 37, XXII, da CF), ampliar a atuação da rede de controle.

É preciso, ainda, oferecer maior efetividade às decisões dos Tribunais de Contas, principalmente quando implicam desaprovação de contas. Não se pode conceber que um gestor público, após a análise técnica, criteriosa e imparcial da Casa de Auditoria, tenha suas contas reprovadas e continue sendo gestor dos dinheiros da coletividade.

Nada obstante tenho minhas dúvidas se, por si só, essas medidas seriam suficientes. No entanto, o ceticismo não me amedronta, inspira-me. Não ter certeza das coisas não me preocupa, pois “todo o problema do mundo é que os tolos e os fanáticos estão cheios de certezas, e as pessoas mais sábias estão cheias de dúvidas”, como vaticinado por Bertrand Russell.

Espero, todavia, que os Tribunais de Contas, como órgãos essenciais ao controle externo e, por conseguinte, ao regime democrático, sejam, cada vez mais, independentes e prudentes nas suas análises. Que eles explicitem claramente a motivação de suas decisões, observando as regras dispostas na Constituição Federal e nas suas respectivas leis orgânicas.

Em arremate, os Tribunais de Contas, na atuação fundamental da fiscalização dos recursos públicos, não podem abarcar tudo. Assim, eles precisam da sociedade como aliada. É preciso, pois, trocar experiências com outros órgãos de controle, auditar mais e informar melhor a sociedade para poder agir com mais rigor frente aos diversos tipos de abuso no uso da coisa pública.

Inaldo da Paixão Santos Araújo é Mestre em Contabilidade, Presidente do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, professor, escritor.