Relação entre a Contabilidade Aplicada ao Setor Público e a accountability

Relação entre a Contabilidade Aplicada ao Setor Público e a accountability

Inaldo da Paixão Santos Araújo é estre em Contabilidade, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, Professor e Escritor. inaldo_paixao@hotmail.com

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 15, garante a toda sociedade “o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração.”

Em sintonia com esse direito, a Carta Magna de 1988 estabelece, entre as atribuições do chefe do Poder Executivo (art. 84, XXIV), a obrigatoriedade da prestação de contas, que será apreciada pelo Tribunal de Contas e julgada pelo Congresso Nacional (CF, arts. 49, IX, e 71, I).

A Constituição Federal também determina que “prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária” (art. 70).

Essas obrigações constitucionais de se prestarem contas representam a essência da accountability. Apesar de não possuir tradução literal para o português, accountability corresponde ao dever de todo gestor de responder por um compromisso assumido. Isso quer dizer que ela representa a obrigação ética e legal que tem todo administrador público de prestar as contas dos dinheiros da coletividade, de forma transparente e tempestiva.

Quem bem retratou essa prática foi o estadista libertador Simón Bolívar, ao afirmar que: “A Fazenda Nacional não é de quem vos governa. Todos aqueles a que haveis tornado depositários de vossos interesses têm a obrigação de demonstrar-vos o uso que deles tenham feito”.

A prestação de contas, no setor público brasileiro, pode ser conceituada como o conjunto de demonstrativos contábeis, de informações financeiras e de desempenho, que vão espelhar, em determinado período, o resultado de uma gestão.

Além dos relatórios obrigatórios, não existe no Brasil um modelo padronizado que defina os componentes de uma prestação de contas no setor público. Contudo a prestação de contas deve ser elaborada de modo a demonstrar, da forma mais oportuna e transparente possível, os resultados da gestão da coisa pública.

O Código de Boas Práticas para a Transparência Fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI) define, entre os princípios

para que os governos alcancem a transparência, que a “divulgação de informações ao público sobre as atividades do governo (prestação de contas e outras informações) devem ser apresentadas de forma clara e tempestiva”.

A Contabilidade Aplicada ao Setor Público contribui para a prática da transparência, pois suas demonstrações são as principais peças constitutivas das prestações de contas, objetivando facilitar suas análises para que se tenha efetivamente a accountability.

Compondo o conjunto das demonstrações contábeis no setor público brasileiro, a Lei n.º 4.320/64 determina que, no final de cada exercício, os resultados sejam demonstrados em quatro balanços e outros informes financeiros obrigatórios. Com a LRF, novos demonstrativos passaram a ser também exigidos.

No Brasil, existe a convicção de se achar que tudo é resolvido por meio de leis. Todavia uma pequena cidade no sertão baiano, nos idos de 1989, exibia, em cartaz afixado na praça central, informações sobre os recursos recebidos, suas origens e as devidas aplicações. Tudo classificado sem os rigores da prática contábil e orçamentária. A linguagem era acessível para qualquer cidadão, tais como gastos com professores, médico e enfermeiras, pessoal da limpeza, a recuperação da estrada vicinal, a aquisição da ambulância. Também era informado o saldo em caixa e a pagar, entre outros. Não uma contabilidade “criativa”, mas sim informativa.

Percebia-se ali, de forma simples e transparente, a fiel prática da accountability.

Portanto resta concluir que, mais do que uma imposição legal, a prática da accountability é essencial para a administração pública, pois todos precisam saber o que é feito com o dinheiro de todos. Entretanto a accountability se materializa com uma Contabilidade Aplicada ao Setor Público que possibilite a emissão de relatórios confiáveis, transparentes e tempestivos.

E se tudo isso se concretizar, teremos um governo transparente, sob o comando de um povo com mais dignidade, com mais educação e senso crítico. Um povo que seja capaz de compreender e contextualizar sua realidade, expressa em relatórios financeiros adequados, e que possa escolher sabiamente dirigentes responsáveis e comprometidos com os anseios sociais.